Por Enio
Moraes Júnior
O
desenvolvimento das tecnologias de comunicação, especialmente nos últimos vinte
anos, tem dado um novo sentido à existência humana e levado a uma reelaboração
do modo como os indivíduos vivem e se relacionam em sociedade e isso tem
alterado também o cotidiano e os interesses das organizações.
Parece
difícil enxergar com clareza os próximos anos. A convergência midiática
praticamente ainda não começou e hoje convivemos no mundo empresarial apenas
com a primeira geração que cresceu com a internet. Estamos entrando em um mundo
de novos significados e – parodiando o pesquisador canadense Marshall McLuhan,
que nos anos 60 referia-se aos meios de comunicação como extensões do homem –
de novas extensões.
Segundo o
filósofo Pierre Lévy (2002), as atuais tecnologias implicam novas formas de ser
e estar no mundo. Considerando que elas implicam também novas formas de
comunicação, são, pois, novas formas de extensão de corporações empresariais e
de homens.
Rapidez
jamais sonhada
Por trás
de toda essa mudança, há um projeto e ao mesmo tempo uma conseqüência política:
a globalização. As fronteiras mundiais estão mais tênues e as pessoas tendem a
estar mais próximas. Isso interfere inquestionavelmente nas empresas, que
passam a contar com formas privilegiadas de otimizar sua comunicação integrada.
"Imagine
a diferença em relação àquele empresário do Império que, ao receber uma
correspondência do exterior, tinha quase três meses para pensar, tomar as
decisões e responder", diz Jorge Gerdau Johannpeter (SIQUEIRA, 2007: B22),
presidente do grupo Gerdau, fazendo uma comparação com o ritmo de trabalho e
decisões tomadas por Mauá (Irineu Evangelista de Souza), empreendedor
brasileiro do início do século 19 e os executivos contemporâneos. Segundo
Johannpeter:
"A internet impõe uma rapidez jamais sonhada em nossas decisões.
Temos que resolver tudo em minutos ou mesmo em segundos. Vivemos hoje um
processo executivo on line que explica, em grande parte, o grande
aumento de produtividade ocorrido no mundo nos últimos anos."
Marca
corporativa
Entendendo
o fenômeno global como algo ainda em processo, a filósofa Monique Canto-Sperber
(2004: 50) observa que, embora vivamos hoje em um mundo integralmente
conhecido, "onde as distâncias são reduzidas, onde empresas podem
implantar-se por toda parte ou externalizar suas atividades", ainda há
muito, do ponto de vista humano, a ser prensado e construído:
"Nosso
mundo é, antes de mais nada, um mundo onde a pobreza e a miséria constituem o
lote de uma parte considerável das populações, mesmo dentro dos países
desenvolvidos. Mais que pela ausência de recursos, a miséria se mede pela
ausência de perspectivas de futuro ou de oportunidades de ação (...)."
Dispor de
meios para transformar recursos em verdadeiras capacidades de agir requer um
mínimo de educação, exige viver em um mundo que ofereça reais possibilidades de
desenvolvimento de si e pressupõe que a cultura à qual se pertence tenha podido
formar em cada um a faculdade de adaptar-se.
É nesse
cenário de contradições entre sentidos humanos e materiais, entre pessoas e
coisas, entre empresários e funcionários, que os profissionais das diferentes
habilitações de comunicação social precisam fincar a marca corporativa e a
busca pelo lucro deve caminhar ao lado de uma efetiva responsabilidade social.
Objetivos
gerais e específicos
A nova
configuração mundial implica, pois, desafios para o papel da comunicação e dos
seus profissionais. O fluxo informativo, agora mais veloz e dinâmico, assim
como as decisões e a produção do capital, tem que corresponder a uma
qualificação também do nível de relacionamento entre empresários, funcionários
e clientes. Diante disso, a comunicação integrada, apoiada pelas tecnologias
digitais, precisa ganhar um novo sentido.
Tradicionalmente,
a partir dos estudos de Margarida Kunsch (1986: 112), a noção de comunicação integrada
considera que "o importante, para uma organização social, é a integração
de suas atividades de comunicação, em função do fortalecimento de seu conceito
institucional, mercadológico e corporativo junto a todos os seus
públicos".
Assim, a
CI funciona por meio da articulação da comunicação institucional, da
comunicação mercadológica e da comunicação interna da empresa. Ademais, essa
articulação deve formar um conjunto "harmonioso" da comunicação
organizacional (1997: 116):
"A
comunicação integrada permite que se estabeleça uma política global em função
de uma coerência maior entre os programas de uma linguagem comum de um
comportamento homogêneo, além de se evitarem as sobreposições de tarefas. Os
diversos setores trabalham de forma conjunta, tendo ante os olhos os objetivos
gerais da organização e ao mesmo tempo respeitando os objetivos específicos de
cada um."
Participação
interna e externa
Tal qual
uma sinfonia, todo esse esquema tem que funcionar de forma bem articulada em
suas partes para o sucesso da CI dentro da organização. E no começo de tudo
está um bom projeto comunicacional. Parte fundamental da construção desse
projeto é a informação que o profissional de comunicação tem em mãos.
Alguns
anos antes da presença das atuais tecnologias de informação nas empresas e no
cotidiano dos profissionais de comunicação, Gaudêncio Torquato (1986: 29) já
nos falava a esse respeito:
"Um
profissional de comunicação que possa dispor de informações a respeito de todos
os grupos sociais a que está ligada a sua audiência, a respeito da importância
relativa de cada grupo, a respeito dos líderes de opinião para cada assunto e
sua importância relativa, a respeito dos outros meios de comunicação que
atingem seu público, a respeito dos interesses de sua audiência, esse profissional
poderá elaborar um programa [projeto] muito mais eficiente do que outro que não
saiba absolutamente nada em relação à audiência para a qual se dirige."
Sem dúvida, a inserção das tecnologias nos processos de produção da
informação tem sido um diferencial de cases de sucesso de
comunicação integrada, mas além desses elementos, um fator merece especial
atenção: a participação dos públicos interno e externo nos processos de
comunicação corporativa.
Preconceitos
e desinformação
Embora
existam riscos nessa simbiose, um projeto de comunicação efetivamente integrada
deve estimular a participação dos indivíduos na sua construção e execução. Eles
não devem ser vistos apenas como espectadores, mas compreender os assuntos,
avaliando criticamente sua produção.
Recentes pesquisas na área de comunicação organizacional têm discutido o
significado de o profissional de comunicação utilizar-se sabiamente das
teconolgias digitais e suas ferramentas. No entanto, há empresas em que
funcionários não podem acessar seus e-mails, alimentar seus blogs ou fotoblogs nem
checar seu Orkut.
Em algumas
empresas, apenas o acesso à intranet é liberado, comportamento que endossa uma
série de preconceitos e desinformação em relação à utilidade e ao poder da
internet nas empresas, especialmente no que diz respeito à comunicação
integrada.
Condições
"macro-ambientais"
Para
Pierre Lévy (1999: 247), não podemos considerar a internet apenas "uma
sub-cultura dos fanáticos pela rede". Para ele, a cibercultura, mais que
isso, é uma "mutação fundamental da própria essência da cultura".
Como observa Roberto de Camargo Penteado Filho (DUARTE, 2006: 348):
"As organizações já não podem dar-se ao luxo de ignorar as listas
de discussões da internet. Precisam aprender como usá-las em seu proveito.
Os sites, fóruns e listas de discussão da internet podem
representar um amplo repositório de informações não só sobre seus clientes ou
consumidores, mas também sobre seus concorrentes."
Atentos a
esse tipo de ponderação, cabe-nos refletir sobre a interferência deste novo
quadro no contexto da comunicação empresarial e no conceito da sua matéria
prima: a informação. Afinal, a agilidade e as novidades tecnológicas
obrigam-nos a rever e reformular conceitos.
Ao pensar
a comunicação nas corporações modernas, Torquato (1986: 111) destaca a
importância de uma visão "macro" por parte do profissional da área
hoje bastante útil para pensarmos em relação às atuais tecnologias:
"O
planejamento de estratégias, programas e projetos de comunicação empresarial
requer uma minuciosa leitura do meio ambiente. Incorrem em grave erro os
comunicadores e profissionais que planejam suas atividades sem atentarem para
as oportunidades, riscos, ameaças e tendências do macro-ambiente."
A partir
daí, ele discute uma série de elementos que compõem as condições
"macro-ambientais", tais como a interdependência entre as empresas, a
participação cidadã nos negócios e a presença das tecnologias de comunicação
nas relações sociais.
Conhecimento
em "pedaços"
No
entanto, um escopo do seu trabalho nos chama especial atenção. Ao falar das
novas necessidades estratégicas para a comunicação nas empresas, Torquato
(1986: 113) oferece-nos uma lista de observações que, tomando com referência
também os estudos de Kunsch (1986; 1997) e Casali (2002) e oportunizando as
discussões que elaboramos até aqui, atualizamos a partir do novo
"macro-ambiente" global e neotecnológico.
Unicidade
das comunicações, trabalho conjunto e articulado entre os profissionais da área
e planejamento. Essas parecem ser até hoje as três bases para um bom trabalho
de comunicação integrada.
Um dos
elementos fundamentais para uma comunicação uníssona diz respeito à linguagem.
Para Torquato (1986: 115), ela deve ser sistêmica e uniforme. Ou seja, o
profissional da área deverá "estabelecer condições para uso e
desenvolvimento de canais de comunicação, com a indicação de sua periodicidade,
linguagem, conteúdos, forma etc.". Mas Casali (2002) faz algumas
ponderações em relação a essa questão. Para ela, unicidade de projetos não significa,
hoje, unicidade de conteúdos:
"Frente às novas tecnologias de informação a unicidade da mensagem
deve ser repensada. O receptor busca em cada uma de suas fontes de informação
elementos novos que possibilitem a composição de seu quadro de referência em um
processo de aprendizagem denominado bricolage, ‘um processo de exploração
teórica anárquica (...) pelo qual os indivíduos e as culturas usam os objetos
que os rodeiam para desenvolver e assimilar idéias’ (Levi-Strauss apud Turkle,
1997, p.70) O conhecimento é construído em ‘pedaços’, ao invés da compreensão
linear da informação."
Estruturas
e atitudes coerentes
Para
Torquato, a comunicação na empresa não pode ser vista como algo sob controle
direto, único e exclusivo dos profissionais de comunicação. Pelo contrário, os
diversos níveis da hierarquia empresarial devem ser aqui observados.
Nesse
aspecto, as atuais tecnologias não podem ser entendidas apenas como
instrumentos de uma comunicação vertical produzida por profissionais
especializados, mas devem fazer parte do planejamento de uma comunicação
sinérgica como ferramentas que, aliadas a esses profissionais, devem conduzir a
empresa a uma verdadeira integração entre seus objetivos mercadológicos e
humanos.
O autor defende uma maior ênfase em canais participativos de
comunicação. Além das possibilidades convencionais como caixas de sugestões
e brainstorming ("tempestade de idéias"), a internet
traz em si algumas possibilidades. A esse respeito, Casali (2002) observa:
"A
idéia da comunicação integrada é a coordenação de mensagens para um impacto
máximo. Este impacto é obtido através da sinergia, as conexões que são criadas
na mente do receptor como resultado de mensagens que se integram para criar um
impacto de poder maior do que qualquer mensagem individual por si só. As
mensagens e seus conceitos repetem unidades essenciais de significado ao longo
do tempo através de diferentes veículos e provenientes de diferentes fontes,
estas quando integradas, irão unir-se para criar estruturas de conhecimento e
atitudes coerentes no receptor."
Informações
e riscos
Um outro
ponto citado pelo autor diz respeito à necessidade de estabelecer uma simetria
entre marketing institucional e o marketing comercial da empresa. Para ele,
isso "significa aumentar a redundância, racionalizar a linguagem,
economizar custos e fazer com que a imagem que passe para a opinião pública se
torne igual à identidade que se quer projetar" (1986: 114).
Embora
algumas empresas secundarizem o trabalho de comunicação integrada, para
Torquato, tanto empresários como funcionários devem acreditar na comunicação
como poder organizativo. E o poder para isso está especialmente nas mãos do
profissional de comunicação.
Uma das ferramentas nesse sentido é o endomarketing.
Trata-se de uma área da administração que tem por objetivo, a partir dos
princípios do marketing tradicional, desenvolver estratégias para o público
interno da empresa.
Além
disso, reciclar-se, investir em informações, sejam elas formais ou informais,
assumir riscos de novos projetos, valorizar o conhecimento, a experiência e a
criatividade são pré-requisitos de um profissional que esteja mais preocupado
em assessorar e menos em executar programas.
Considerações
finais
A
sociedade global e as atuais tecnologias trazem para a vida contemporânea a vantagem
de uma comunicação que pode ser mais profissional e rápida, mais veloz e mais
bem embalada.
Mais do
que em qualquer outro momento das relações humanas, trabalhar com a comunicação
integrada em sua mão-dupla de direitos e deveres; de empresários e trabalhadores,
corresponde a um esforço permanente. Talvez estejamos caminhando numa direção
em que pensar um modelo de comunicação integrada para as organizações vá além
de pensar a relação funcionário-empresa-cliente. Talvez estejamos caminhando em
direção de um pensar mais coletivo.
Nesse
sentido, a formação do profissional de comunicação social – jornalistas,
publicitários, relações públicas etc. – passa a ter um papel fundamental para
ultrapassar as fronteiras da desinformação e abrir os olhos para as crueldades
e arbitrariedades que são cometidas contra seres humanos em nome do capital. Em
outras palavras, a formação de profissionais cidadãos comprometidos com
cidadãos talvez seja o ponto de partida para verdadeiros projetos de
comunicação integrada nas corporações.
A
convivência democrática com a diferença, com pontos de vista díspares (seja de
autores, professores ou colegas), complementares e inquietantes e, ao mesmo
tempo, o exercício diário de lidar responsavelmente para si e para o outro
(seja a fonte de informação, seja o público) com a diversidade, são elementos
importantes para uma conduta profissional cidadã.
Assim, ao
pensarmos modelos de comunicação integrada para os profissionais do século 21,
que inevitavelmente terão como instrumentos de trabalho as tecnologias do mundo
globalizado, não devemos apenas nos preocupar com os benéficos que seus
resultados possam trazer para o capital, mas também para as pessoas.
Postular a
presença da cidadania na prática e na formação do profissional de Comunicação
Social significa estimular a reflexão, a revisão e a reestruturação de valores
democráticos. Se os meios de comunicação continuam a ser extensões do homem,
como pensara McLuhan, cuidemos muito bem de nós para que estendamos o que de
melhor pudermos estender.
Bibliografia
CANTO-SPERBER, Monique. "A globalização com ou sem valores". IN: BARRET-DUCROCQ (org). Globalização para quem?: uma discussão sobre os rumos da globalização. São Paulo: Futura, 2004. 50-58 pp.
CASALI, Adriana Machado. Comunicação Integrada e novas tecnologias de informação (2002). Disponível em: http:[//www.eca.usp.br/alaic/material%20congresso%202002/congBolivia2002/trabalhos%20completos%20Bolivia%202002/GT%20%206%20%20margarida%20kunsch/Adriana%20Machado%20Casali%20-%20CO%20y%20RP.doc]. Acesso: 28 de fevereiro de 2006.
DUARTE, Jorge (org). Assessoria de Imprensa e relacionamento com a mídia: teoria e técnica. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. As organizações modernas necessitam de uma comunicação integrada. Mercado Global, 2º trimestre, 1997, n. 102.
_____. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus, 1986.
_____. Relações Públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
_____. Ciberdemocracia. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
SIQUEIRA, Ethevaldo. "Decisões on line revolucionam a produtividade". O Estado de S.Paulo. Economia, pg. B22. Domingo, 1º de julho de 2007.
TORQUATO do Rego, Guadêncio. Comunicação Empresarial: comunicação institucional. São Paulo: Summus, 1986.
Capturado em <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/tecnologias-e-desafios-da-comunicacao-integrada>. Em em 12/02/2008 na edição 472.
Capturado em <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/tecnologias-e-desafios-da-comunicacao-integrada>. Em em 12/02/2008 na edição 472.
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Jornalista, doutorando em Ciências da Comunicação pela Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador das
relações entre imprensa, cidadania e novas tecnologias
É interessante perceber como, no mundo dos negócios, as pessoas não são tratadas como sendo fundamentais para a imagem positiva das empresas, sejam funcionários ou clientes. Esse descaso nos leva a entender porquê a comunicação integrada ainda carece de um investimento à altura do que ela representa.
ResponderExcluirÉ pertinente a fala de Enio Moraes Júnior sobre o preconceito e desinformação dos empresários quanto à utilização de ferramentas que não sejam ligadas à intranet. A comunicação é um direito humano básico e, como tal, não pode ser violado. Estimular a comunicação integrada não apenas contribui para o crescimento das empresas e das pessoas ligadas a ela, mas estabelece um parâmetro para garantir que todo e qualquer cidadão exerça a liberdade de expressão e pensamento.