Resumo: Apresentando inicialmente,
um histórico do surgimento e do desenvolvimento do hipertexto, o presente
trabalho pretende comparar sua atual aplicação nas páginas web com a sua
noção básica formada em séculos passados.
Finalizando a exposição, são apresentados projetos que utilizam como
base a construção coletiva do hipertexto, no intuito de resgatar os propósitos
inicias deste tipo de escrita.
Palavras-chave:
hipertexto – web – construção coletiva
1.
Introdução
Com o avanço da globalização, o mundo hoje vem
passando por significantes transformações na sua forma de organização. Castells
(2002, p. 78) afirma que hoje vivemos o que ele denomina de “sociedade da
informação”, cuja estrutura em forma de redes configura o novo espaço global e
que para Mattelart (2003, p. 66), já se configurava na década de 70. Segundo
Mattelart, este tipo de sociedade “só pode existir sob a condição de troca sem
barreiras”, o que hoje se traduz num dos mais significantes postulados da
Internet. Santaella (2003, p.13), também versando sobre este novo panorama
social, diz que “não só as redes digitais, mas qualquer meio de comunicação é capaz
não só de moldar o pensamento e a sensibilidade dos seres humanos, mas também
de propiciar o surgimento de novos ambiente socioculturais”.
Frente a esta nova morfologia social, o presente
trabalho pretende elaborar um mapeamento da história do hipertexto, desde seu
surgimento até a criação e o desenvolvimento de seu principal suporte, a
Internet. A partir desse resgate histórico do termo, pretende-se comparar o
objetivo inicial da técnica hipertextual com a forma como é aplicada nas atuais
páginas web.
O texto será estruturado em partes que abordarão,
respectivamente, o surgimento da idéia de hipertexto, onde será exposto o
histórico do termo, bem como os contextos em que a prática hipertextual foi
sendo desenvolvida, uma comparação entre a idéia inicial do hipertexto e o
desvio que ocorreu com a sua aplicação dentro das páginas web, e
finalmente uma avaliação do futuro do hipertexto, onde será questionada a
possibilidade de sua construção de forma coletiva.
2. Hipertexto – das marginàlias à Internet
O hipertexto não nasceu
junto com a Internet, nem logo após o surgimento desta, mas mesmo assim, grande
parte das definições que hoje encontramos acerca do termo hipertexto remetem a
sua forma de utilização dentro do contexto das páginas web.
Lemos (2002, p. 130) apresenta uma definição de hipertexto:
Os
hipertextos, seja online ou offline são informações textuais combinadas com
imagens, sons, organizadas de forma a promover uma leitura (ou navegação)
não-linear, baseada em indexações e associações de idéias e conceitos, sob a
forma de links. Os links funcionam como portas virtuais que abrem caminhos para
outras informações. O hipertexto é uma obra com várias entradas, onde o
leitor/navegador escolhe seu percurso pelos links.
De acordo com as palavras de Lemos, o hipertexto
configura-se exatamente como a quantidade infinita de links com os quais
nos deparamos hoje nas páginas web. De forma semelhante, Lévy (1993,
p.33) formula um conceito de hipertexto enfatizando a possibilidade multimídia
e a conexão de nós através do hipertexto:
...um
hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser
palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, seqüências sonoras,
documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de
informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um
deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular.
Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede
que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez,
conter uma rede inteira.
Lévy (1993, p.73) considera o hipertexto como uma
metáfora da comunicação humana quando diz que esta já passou muito tempo sendo
analisada sobre o prisma da teoria matemática de Shannon e Weaver (Lévy, 1993,
p.72)[2].
Este caráter metafórico é utilizado pelo autor no sentido de que o hipertexto
conecta palavras e frases cujos significados ligam-se uns aos outros, ou seja,
o texto, na verdade, é sempre um hipertexto, já que estabelece na mente do
leitor uma rede de associações.
Ted Nelson (2005, online)[3],
considerado o “pai” do hipertexto, já que foi o responsável pela criação do
termo, não considera que a estrutura das páginas web de hoje configurem
uma rede hipertextual. Para ele
“The Web isn't hypertext, it's DECORATED DIRECTORIES!”[4].
Na verdade, o que Nelson chamou de hipertexto, nunca existiu, pelo menos na
Internet. Isso porque a concepção de hipertexto do autor é diretamente ligada a
idéia de links bi-direcionais, ao contrário da unidirecionalidade dos links
atuais. Hoje, ao clicar num link, o usuário é levado por caminhos
únicos e pré-determinados, não lhe sendo permitida a inclusão de novos destinos
na trilha daquele hipertexto, mas somente a escolha entre opções que lhes são
oferecidas pelo programador da página. O que Nelson pretendia quando criou o
termo hipertexto, era que este fosse construído de forma bilateral, ou seja,
como ele mesmo afirma: “Links must go both ways.” [5]
Mesmo sendo o primeiro a utilizar o termo, Ted
Nelson não foi o inventor da idéia de hipertexto. Segundo Burke (2002, p.54),
os manuscritos do início da Europa Moderna continham textos “menos fixos e mais
maleáveis do que os impressos”. Isso em função
da possibilidade do responsável pela transcrição desses manuscritos poder
“acrescentar ou subtrair algo dos versos que copiava”. Assim, pode-se comparar
as transcrições dos manuscritos com a idéia de hipertexto, pois a
bilateralidade que Nelson propunha, encontrava-se nos manuscritos, quando
modificações nos seus conteúdos eram realizadas por aqueles que não eram
originalmente seus autores, mas que os liam e os transcreviam. Esta
birateralidade que já ocorria na Europa Moderna, ainda não ocorre na web,
pois as páginas atuais ainda não permitem que os usuários interfiram na sua
construção através de edição do texto e/ou pela inclusão de novos links.
Segundo o site Hipertexto
(http://www.facom.ufba.br/hipertexto/leo.html), coordenado pelo professor André
Lemos que traz dados da Portico - The British Library's Online Information
Server (online), no início do século XVI, Leonardo da Vinci (1452-1519)
já praticava a escrita hipertextual quando realizava anotações nas margens das
páginas de seus escritos. Segundo as informações do site, manuscritos do
artista, que pretendia escrever um livro sobre as propriedades físicas e os
efeitos geográficos da água, datados de 1508, foram encontrados na Itália pelo
colecionador de arte inglês Thomas Howard. Em 1681 Henry Howard, neto de
Thomas, presenteou a Royal Society com os documentos, que posteriormente foram
transferidos para o Museu Britânico em 1831.
Da mesma forma que as anotações de Da Vinci nas margens de
seus manuscritos, havia nos séculos XVI e XVII, as chamadas marginalias.
Primo e Recuero (2004, p.28) citando Chartier (2002, p.14) explicam que as marginalias
eram anotações feitas a mão nas margens dos livros impressos da época. Em forma
de índices pessoais, citações de textos e remissões a outras partes ou outros
textos, as marginalias eram transpostas para um caderno de “lugares
comuns”, para posteriores consultas.
Comparadas com a prática do hipertexto, as marginálias
configuram uma construção coletiva de textos e possibilitam a bidirecionalidade
proposta por Nelson, pois ficavam expostas nas margens e os leitores tinham a
possibilidade de visualizar o que outros leitores tinham escrito sobre o tema
através dos cadernos chamados de “lugares comuns”. Assim, os livros acabavam
sendo escritos coletivamente, na medida em que às palavras do autor inicial
eram acrescentadas as anotações dos leitores.
Comparando as marginálias com o hipertexto das páginas
web e com a concepção de Ted Nelson, Primo e Recuero (2004, p. 28)
acreditam haver limitações na prática atual, pois na medida em que o livro
possui sobras de espaço nas margens para que as anotações possam ser efetuadas,
na Internet, é necessário que os sites e os servidores permitam a
intervenção do usuário nos seus conteúdos, armazenando estas modificações e
disponibilizando-as para os próximos usuários, o que atualmente ainda não é
possível. Novamente pode-se perceber que a web não alcançou aquilo que
Ted Nelson pretendia com o hipertexto e que já podia ser percebido com a
prática das marginálias: a participação ativa dos leitores na construção
dos textos.
Contudo, foi no século XX que o hipertexto começou a tomar forma. Em 1945, o físico e matemático americano Vannevar
Bush[6],
com a publicação de seu artigo “As We May Think[7]”,
traz a tona, mais uma vez, a noção de hipertexto quando do esboço do seu Memex[8],
instrumento que hoje poderíamos comparar com os nossos computadores pessoais.
Bush que na época (Pelegrino e Filho, 1998, online)[9] era responsável por uma Agência de Desenvolvimento e
Pesquisa Científica do Governo Norte Americano, coordenava o trabalho de mais
de seis mil cientistas e sofria com a existência de uma quantidade muito grande
de dados que deveriam ser armazenados e disponibilizados para uma consulta
rápida e eficiente por outros pesquisadores. Nas palavras de Landow (1993, online)
Struck by the "growing mountain of research" that confronted
workers in every field, Bush realized that the number of publications has
already "extended far beyond our present ability to make real use of the
record. [10]
Landow (1993, online)
acredita que duas observações devem ser feitas sobre a concepção do Memex de
Bush. A primeira seria a de que Bush acreditava que ao mesmo tempo em se lia,
era necessário recorrer ao individual, resgatando pensamentos transitórios e
reações a textos anteriores. A segunda é a de que o físico reconhecia a
necessidade de uma tecnologia virtual para a aplicação de seus preceitos, a
qual levaria a uma nova concepção de texto, e que hoje podemos associar ao
hipertexto.
Segundo Dias
(online):
...para Vannevar Bush, a
mente humana não funciona dessa forma, mas sim através de associações. Ela pula
de uma representação para outra ao longo de uma rede intrincada, desenha
trilhas que se bifurcam, tece uma trama infinitamente mais complicada do que os
bancos de dados de hoje ou os sistemas de informação de fichas perfuradas
existentes em 1945. Bush reconhecia não ser possível duplicar o processo
reticular que embasa o exercício da inteligência. Ele propunha apenas que nos
inspirássemos nele. Imaginou então o dispositivo, que denominou Memex, para
mecanizar a classificação e a seleção por associação, paralelamente ao
princípio da indexação clássica [11].
Dessa forma,
o físico e matemático utilizou a idéia das trilhas para esboçar o Memex. Reis
(2000, online)[12]
explica o funcionamento que consistiria em uma mesa de trabalho, com telas para
projeção, teclado e botões e alavancas. Para folhear as páginas existiria uma
alavanca que avançaria ou retrocederia dentro da publicação; um botão levaria à
página inicial do repositório. A idéia de Bush aproxima-se da do
hipertexto de Ted Nelson, no sentido de que os documentos armazenados no Memex
seriam conectados uns aos outros através de códigos, o que possibilitaria aos
leitores relacionarem os conteúdos, igualmente à uma trilha hipertextual. O
Memex também possibilitaria a criação de caminhos entre essas conexões, nos
quais poderiam ser inseridos comentários. Os caminhos ficariam armazenados para
que pudessem ser adicionados em outro Memex, possibilitando que outros leitores
possuíssem a mesma trilha.
O artigo de
Bush é uma preocupação com a organização do pensamento humano e com o
armazenamento do conhecimento obtido com as pesquisas desenvolvidas durante os
anos. Santaella (2003, p. 92) afirma que “para lidar com a explosão do
conhecimento científico no período da segunda guerra mundial, em 1945, Bush
descreveu o primeiro sistema hipermídia, chamado de memex, que tinha por
função suplementar a memória pessoal”.
O que Bush
pretendia não era hierarquizar o conhecimento, mas criar trilhas associativas
que possibilitassem o acesso às informações através da relação, da conexão
entre os assuntos. A Internet armazena
uma quantidade enorme de informações, mas é carente de um mecanismo de busca de
informações mais eficiente. Quando digitamos palavras-chave nos buscadores atuais,
estes nos “despejam” uma vasta quantidade de dados sem relacionar as
informações obtidas e que dentro das quais, muitas são desnecessárias. Estes
sistemas de busca atuais ainda não fazem associações entre os conteúdos, o que
constituía o objetivo de Bush com a construção do Memex.
Até esta
época, o termo hipertexto ainda não havia sido mencionado. Foi em 1965, mesmo
ano em que a Digital Equipment introduz o PDP-8, o primeiro minicomputador
comercial e com preço competitivo no mercado informático, que o filósofo e
doutor em Sociologia, Theodor Holm Nelson[13], mais conhecido como Ted
Nelson, concebeu o que ele denominou de Projeto Xanadu[14].
Nelson (online) [15]considerava extremamente
importante a habilidade de trabalho com documentos paralelos e assim projetou
um hipertexto que, segundo ele, ainda não existia, com “links which can be followed in either
direction”[16].
Para ele, a idéia de hipertexto baseava-se em “Links that don’t
break”[17], ou seja, documentos que
mesmo sendo modificados frequentemente, se mantivessem conectados entre si.
A aplicação da prática hipertextual, no entanto,
só foi sendo utilizada e disseminada com o surgimento da World Wide Web,
mas essa aplicação não era exatamente o que Nelson tinham em mente, com a sua
noção de hipertexto, quando elaborou o Projeto Xanadu.
Em 1990 (Castells, 2003, p. 18), o engenheiro de sistemas
inglês, Tim Berners-Lee[18],
concebeu a World Wide Web no âmbito do trabalho de apoio aos sistemas de
documentação e colaboração entre investigadores e cientistas do Centro Europeu
de Pesquisa Nuclear – CERN – com base na Suíça.
A invenção do inglês surgiu em função de um problema de troca de
informações sofrido pelos pesquisadores do CERN. Primeiramente, Berners-Lee
inventou o HTML[19], um formato para armazenar documentos no disco rígido
de um computador que tivesse acesso permanente à Internet. Cada computador
teria uma localização específica, a qual acabou sendo denominada de URL[20].
Para acessar a URL era necessário um protocolo que
foi criado e denominado de HTTP[21] .
Em seguida forma criados os links, que dependiam das URLs. Para
experimentar todo o seu trabalho, Berners-Lee, com a ajuda do engenheiro Robert
Cailliau, criou um servidor[22] e
um brownser[23].
Ted Nelson (2005, online)[24],
afirma que o seu Projeto Xanadu serviu de inspiração para Berners-Lee, mas que
sua idéia de hipertexto foi utilizada de forma superficial na criação da World
Wide Web. No site do Projeto Xanadu (http://xanadu.com/), Nelson afirma que
desde o advento da criação de Berners-Lee, vem tentando aplicar seus conceitos
no ambiente imposto pela web.
O hipertexto de Nelson previa a criação de links
bidirecionais, construídos de forma coletiva entre leitores e usuários, o
que fortalecia a idéia de que o hipertexto, desde os tempos das marginálias,
sempre foi coletivo. Porém, a estrutura da web, criada por Berners-Lee,
estancou a concepção bilateral de Nelson e acabou fazendo com que o hipertexto
atuasse com um caráter individual, pois o que ocorre hoje em dia é a criação de
links de acordo com a vontade do programador, de forma unilateral. Não é possível que, hoje, usuários da web
possam incluir novos links ou modificar os conteúdos das páginas, o que
conseqüentemente configura a ausência de coletividade através da prática
hipertextual.
Contudo, a
evolução da web parece se dirigir para o desenvolvimento de um sistema
mais interligado, pelo menos é no que Nelson concentra seus esforços, e que
permita o cruzamento de informações. Assim, o hipertexto começa a servir de
base para a construção de projetos que atentam para a participação do usuário
na construção das páginas web. Ao passo em que os sistemas de
armazenamento e de acesso a informações começam a se estruturar de uma forma
mais interligada, transparecendo uma formação em rede, o hipertexto, que já
possui esta característica, pelo menos em suas origens, avança para o início de
um período em que deverá ser construído de forma coletiva, como fora nas suas
primeiras manifestações.
4. Hipertexto:
individual ou coletivo?
Através do
resgate histórico do hipertexto, percebe-se que, desde o início, a sua idéia
básica, além da conexão entre os documentos, era a de ser construído
coletivamente, permitindo que escritores e leitores pudessem participar
ativamente da elaboração do texto. Desde as marginálias até a concepção
do Memex por Bush, o espírito de coletividade ainda se fazia presente quando se
pensava na idéia de uma escrita hipertextual, mas convém lembrar que até este
momento o termo ainda não havia sido cunhado. Nas marginálias este
aspecto é claramente visível, na medida em que os leitores dos livros
tornavam-se construtores do texto, juntamente com o autor original, na medida
em que realizavam as anotações nas margens. Essa coletividade também se
manifestava no momento em que os leitores podiam ler, a qualquer tempo, as
anotações de outros leitores através dos cadernos de “lugares comuns”. No Memex
a ocorrência da coletividade se dava quando os caminhos criados com as trilhas
associativas dentro de um Memex, podiam ser transferidas para outros Memex e
assim, possibilitando que os leitores trocassem informações sobre as trilhas
que vinham criando com as leituras.
Quando Ted Nelson finalmente nominou a prática
sob o termo “hipertexto”, a idéia de uma construção coletiva ainda permanecia
forte. Os links bidirecionais propostos por Nelson e a conectividade
constante entre os documentos salientavam a possibilidade de uma construção
coletiva dos textos. O desvio ocorreu com o advento da web, a qual
acabou não sendo projetada de forma a aproveitar as potencialidades da noção de
hipertexto e que permitiriam a participação ativa, no mesmo nível, de
programadores e usuários das páginas. Aqui então, encontra-se a grande crítica
de Nelson ao hipertexto existente hoje nas páginas web. Ele acredita que
hoje, o hipertexto, que deveria ser coletivo, acabou tornado-se individual em
função desse estancamento do caráter bidirecional que o hipertexto possui desde
as suas primeiras manifestações. Nelson (2005, online) considera que o
atual panorama da web seja uma simplificação do que ele imaginou com a
criação do seu Projeto Xanadu.
Coletividade
é um conceito ligado diretamente ao de interação e a Escola do Interacionismo
Simbólico traz uma definição adequada de uma situação de comunicação
efetivamente interativa. Teóricos dessa escola postulam que o mundo simbólico é construído através da
interação entre os indivíduos de uma relação social, os quais se condicionam
mutuamente e constroem estruturas simbólicas nas interações. Estas passam a
regular-se umas às outras fazendo com que o indivíduo componha uma
circularidade. Assim, é através das diferentes interações que mantém entre si
que os indivíduos vão cultivando símbolos variados e assim conseqüentemente
diversificando suas relações interacionais com os outros. Autores como, respectivamente, David Berlo (1999,
p. 135) e Watzlawick et. al. (1967,
p. 27) salientam a importância da
interdependência entre os atores da relação de comunicação para a ocorrência da
interação.
O termo interação denomina
o processo de adoção recíproca de papéis, o desempenho mútuo de comportamentos
empáticos. Se dois indivíduos tiram inferências sobre os próprios papéis e
assumem o papel um do outro ao mesmo tempo, e se o seu comportamento de
comunicação depende da adoção recíproca de papéis, então eles estão em
comunicação por interagirem um com o outro.
Uma cadeia em que o evento a
gera o evento b, e b gera então c, e c, por sua vez,
provoca d etc., teria as propriedades
de um sistema linear determinístico. Se, porém, d conduzir de volta a a,
o sistema é circular e funciona de um modo inteiramente diferente. Manifesta um
comportamento que é, essencialmente, análogo ao daqueles fenômenos que tinham
desafiado a análise em termos de um estrito determinismo linear.
De acordo com os preceitos do Interacionismo, não é possível considerar a
prática hipertextual da Internet de hoje como efetivamente interativa. Isso
porque o usuário da rede não interage totalmente nas páginas, ou seja, ele não
possui a possibilidade de se manifestar criando novos links, mas age de
forma limitada, somente escolhendo caminhos que o levarão a lugares
pré-determinados pelos programadores das páginas.
Primo (2003), baseado no Interacionismo, classifica o hipertexto em três
formatos:
· Hipertexto
potencial: aquele em que os caminhos associativos estão pré-determinados
pelo programador da página, sendo que ao usuário não é permitido realizar
qualquer tipo de inclusão de novas associações, lhe restando apenas seguir as
trilhas pré - dispostas pelo programador.
· Hipertexto colagem:
permite uma atuação mais ativa do internauta do que no hipertexto potencial,
pois este só poderia executar modificações que já estariam previstas pelo autor
da página. No hipertexto colagem é permitido ao internauta criar, no entanto
não existe debate entre usuário e programador quanto a esta criação.
· Hipertexto
cooperativo: Este tipo remete à questão da construção coletiva, pois é
construído através do debate entre autor e usuário da página. Assim, a
discussão contínua é responsável por modificar a trilha de associações a medida
em que é construída, tanto por usuário quanto por programador.
A classificação de Primo aponta diversas
questões acerca da utilização do hipertexto e do seu caráter coletivo. Nos
hipertextos potencial e colagem verifica-se a limitação sofrida pelo usuário
para interferir na construção do hipertexto.
Exatamente como ocorre na web atual, esses tipos de hipertextos
são construídos individualmente, pois é o programador que determina o que será
linkado. Já no cooperativo pode-se perceber claramente que não é o tipo de
hipertexto presente hoje nas páginas web, pois permite uma plena
atividade do usuário e assim é considerado coletivo.
Neste sentido
a possibilidade da escrita hipertextual de forma coletiva depende e muito da
efetivação de um hipertexto cooperativo, cuja prática depende da realização de
uma situação de comunicação que efetivamente possibilite interação, ou seja, um
atuação recíproca de seus atores, caso contrário não será possível se falar em
coletividade. Contudo, a rede ainda não alcançou o estágio fundamental de
interação para que o conhecimento seja construído de forma plenamente coletiva,
pois a unidirecionalidade dos links ainda prevalece, não permitindo que
os usuários da rede incluam links nas páginas da web.
Ainda assim,
esforços para a modificação deste atual panorama eletrônico começam a surgir e
alguns projetos que visam a participação ativa do usuário na construção e
ampliação da rede já começam a ganhar visibilidade.
4. O futuro do
hipertexto: a cooperação?
Em uma
entrevista concedida ao site Janela na Web
(http://www.janelanaweb.com/), Ted Nelson, perguntado sobre o que haveria de
errado com a web criada por Tim Berners-Lee, respondeu:
Foi uma simplificação, uma brilhante simplificação. Mas é
muito limitada. O que eu sempre pretendi evitar foi exactamente o que a lógica
da Web criou.
Os links que ele criou funcionam numa só direcção. Eu não
concordo com o HTML, com o facto de ser unívoco. A minha solução é uma
estrutura mais rica do que as páginas HTML. Permite duas coisas: ligações
visíveis e explícitas entre conteúdos que são diferentes e cópias virtuais –
acto a que eu chamo de transclusão – de conteúdos que são idênticos. Permite,
também, a gestão de várias versões e dos direitos da propriedade intelectual dos
conteúdos.
Nesse sentido,
Ted Nelson evoca o que está faltando para que a web possa ser uma espaço
de construção efetivamente coletiva: um espaço onde programadores e usuários
possam interagir completamente entre si, trocando informações e construindo,
coletivamente, novos caminhos por entre a infinita rede de dados do
ciberespaço.
Impulsionados pela necessidade de uma nova forma
de escrita hipertextual projetos como o Co-link[25] e o Liquid Information[26] preocupam-se em
possibilitar a participação ativa do usuário na construção do hipertexto.
O Co-link é um projeto brasileiro, desenvolvido
em conjunto pelos professores Alex Primo e Raquel Recuero, ambos de
universidades localizadas no Rio Grande do Sul. A proposta principal é resgatar
a idéia das “trilhas associativas” propostas por Bush, com o Memex. Segundo o site
do projeto:
Tais trilhas, contudo, não
ligam uma idéia a apenas uma outra. Diversas associações podem ser feitas à
mesma palavra. Como se sabe, à medida que se lê determinado texto, diversas leituras
anteriores são mobilizadas. Com a utilização de co-links, essa rede de
remissões pode ser gravada no próprio texto. Mas mais do que um registro
individual, o documento hipertextual passa a ser o registro cooperado de
diferentes olhares
particulares.
particulares.
Assim, o Co-link permite a participação ativa do
usuário que pode editar o texto,
transformar palavras que ainda não são links em novos links
e também inserir múltiplos caminhos em cada palavra linkada, ao contrário do
que ocorre hoje quando a partir de um link temos apenas uma única
possibilidade de destino. Além disso, pode acessar os caminhos percorridos por
outros usuários, da mesma forma que o Memex de Bush também pretendia.
Partindo da mesma premissa, o Liquid Information,
desenvolvido em Londres, na University College London Interaction Centre em
parceria com Douglas Engelbart[27], também preocupa-se com a
participação ativa do usuário na construção do hipertexto. O mecanismo da
ferramenta consitui-se na possibilidade de o usuário poder editar os textos das
páginas web, porém, ao contrário do Co-link, o Liquid Information não
permite que o internauta crie novos links dentro dos textos das páginas,
o que ainda acaba limitando a atuação do usuário e não atendendo aos preceitos
hipertextuais de Ted Nelson.
Ainda enfatizando a importância da construção
coletiva de conhecimento, a Wikipédia (http://www.wikipedia.org) apresenta-se
como uma outra possibilidade que os internautas possuem para participar da
tecitura da teia de nós da Internet. Criado em 1995, por Ward Cunningham, o
sistema wiki (que significa “rápido” no Havaí) funciona através de um script
instalado no servidor permitindo que qualquer usuário da Internet possa
alterar/editar o conteúdo das páginas que funcionam dentro desse sistema, sem a
prévia autorização do autor da página, o que acaba fazendo com que todos sejam
autores e que o texto nunca tenha uma versão definitiva, mas que fique em
constante modificação. Cada alteração realizada permanece salva dentro do
sistema, podendo ser verificada retrospectivamente.
Em janeiro de 2001, Larry Sanger e Jimmy Wales
lançam a Wikipédia, a qual acabaria se tornando o maior projeto wiki até
hoje realizado. Anterior a esta criação, Sanger já trabalhava no projeto
Nupedia (http://www.nupedia.com) , criado por Wales, que consistia em uma
enciclopédia online escrita por especialistas[28]. Porém, diferente da
Nupedia, que era construída por especialistas, a Wikipédia tinha como proposta
ser redigida por internautas comuns, ou seja, não exigia nenhum pré-requisito,
apenas a disposição do usuário para fazer parte do projeto.
A Wikipédia é estruturada em verbetes, os quais
estão disponibilizados em diversos idiomas, entre eles até mesmo o latim e o
esperanto. O sistema também possui uma versão em português (http://pt.wikipedia.com/wiki.cgi?HomePage). De acordo com Primo e Recuero (2003) convém lembrar que
cada alteração, cada inclusão de link dentro de um verbete modifica toda
a rede hipertextual da Wikipédia e dessa forma constrói-se um hipertexto do
tipo cooperativo. Assim, o sistema condiz com a noção inicial de hipertexto,
pois concede a plena atividade do usuário na construção da trilha hipertextual.
Com o surgimento desses tipos de projetos, tanto
programadores quanto usuários já perceberam as possibilidades que possuem para
atuar dentro da rede e a idéia de um hipertexto individual começa a ser
combatida através desses esforços para modificar a atual estrutura da web.
5. Conclusão
O objetivo principal dessa exposição era realizar
um mapeamento histórico do hipertexto e comparar a sua utilização desde as
primeiras manifestações de sua prática até os dias de hoje com a sua utilização
na web.
Como já foi exposto inicialmente, o hipertexto
não nasceu com a Internet, ele já se manifestava em séculos passados, desde a
Idade Média. No entanto, nem sempre foi utilizado de acordo com sua idéia
básica e por isso o intuito deste trabalho foi demonstrar que de coletivo, o
hipertexto, com a criação da web, passou a ser algo individual.
Desde seu surgimento nas marginálias e nos
manuscritos, mesmo sem denominação formada, o hipertexto sempre trouxe consigo
a idéia de uma escrita coletiva. A possibilidade de armazenar conhecimento
aliava-se a de renovação constante do conteúdo, à medida em que as margens dos
livros eram preenchidas com comentários e citação de outros textos pelos
leitores. Com o advento da web, o hipertexto tem a possibilidade de ter
estas características fortalecidas, já que torna-se bem mais fácil modificar
conteúdo e construir ligações com outros documentos a partir de tecnologias
digitais. Infelizmente, este desenvolvimento foi distorcido, paralisado, na
medida em o hipertexto começou a ser construído de forma unilateral nas páginas
web.
Enfim, o hipertexto precisa ser reformulado, ter
seu preceito inicial recuperado, para então ampliar as suas possibilidades de
criação e assim convergir com o potencial democrático da rede. Os esforços
neste sentido proliferam na Internet, através de projetos como os citados
acima, esta saber o quanto falta para que se possa falar de uma construção
efetivamente coletiva.
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10. FILHO, Leme Trajano. Os
50 maiores erros da humanidade. Axcel Books. Rio de Janeiro, 2004.
11. HAMMAN, Robin. History of Internet, WWW,
IRC, ad MUDs. Disponível em: <http://www.socio.demon.co.uk/history.html>.
12. LANDOW, George. Hypertext: the
Convergence of Contemporary Critical Theory and Technology. Disponível
em: <http://www.cyberartsweb.org/cpace/ht/jhup/contents.html>.
13. LEMOS, André. Cibercultura – tecnologia e vida social na
cultura contemporânea. Editora Sulina. Porto Alegre 2002.320p.
14. LÉVY, Pierre. As Tecnologías da Inteligência. Editora. 34. São
Paulo 1993. 230p.
15. LÉVY, Pierre. Cibercultura.
Editora 34. São Paulo 1999. 264p.
16. LIMA, de João Gabriel. Isso
sim é revolução. Revista Veja. Editora Abril, edição 1885, ano 37, 22 de
dezembro de 2004.
17. MATTELART, Armand e Michèle. História
das Teorias da Comunicação. Edições Loyola: 6º edição. São Paulo, 2003.
18. NEITZEL, Luiz Carlos;
SUBTIL, Maria José Dozza; GOMES, Rita de Cássia Guarezzi. Hipertexto e
interdisciplinaridade. Disponível em: < http://www.geocities.com/Athens/Sparta/1350/hipertex.html>.
19. PELEGRINO, Egnaldo;
FILHO, Otávio. História do hipertexto. Disponível em: < http://www.facom.ufba.br/hipertexto/historia.html>
.
20. PRIMO, Alex Fernando
Teixeira. Quão interativo é o
hipertexto? Da interface potencial à escrita coletiva. In. Compós 2002 –
Encontro da Associação Nacional dos 21. Programas de Pós-Graduação em
Comunicação, 11, 2002, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2002.
Disponível em: <http://www.pesquisando.atraves-da.net/quao_interativo_hipertexto.pdf.>
21. PRIMO, Alex Fernando
Teixeira; RECUERO, Raquel da Cunha. Co-links:
Proposta de uma nova tecnologia para a escrita coletiva de links
multidirecionais. 2004
22. PRIMO, Alex Fernando
Teixeira; RECUERO, Raquel da Cunha. Hipertexto
Cooperativo: Uma Análise da Escrita Coletiva a partir dos Blogs e da Wikipédia.
In: VII Seminário Internacional da Comunicação 2003, Porto Alegre, Anais...
Porto Alegre, 2003. Disponível em: http://pesquisando.atraves-da.net/hipertexto_cooperativo.pdf.
23. PRIMO, Alex. Interação Mediada por Computador: a
comunicação e a educação a distância segundo uma perspectiva
sistêmico-relacional. 2003. 292p. Curso de Pós-Graduação em Informática na
Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
24. RECUERO, Raquel da C. Comunidades
Virtuais no IRC: O Caso do #Pelotas. 2002. Dissertação (Mestrado em
Comunicação e Informação). Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
25. REIS, Christian. Resumo:
Da forma com que pensamos Vannevar Bush. Disponível em:
<http://www.async.com.br/~kiko/papers/think/>.
26. RUDIGER, Francisco. Introdução
à Teoria da Comunicação. Edicon. São Paulo, 1998
27. SANTAELLA, Lúcia. Culturas
e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura. Editora Paulus.
São Paulo, 2003. 357p.
28. WATZLAVICK, Paul;
BEAVIN, Janet Helmick; JACKSON, Don D. Pragmática
da comunicação humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da
interação. São Paulo: Cultrix, 1967. 263p.
[1]
Estudante de Jornalismo e Bolsista do Programa de Incentivo às Bolsas de
Iniciação Científica da Universidade Católica de Pelotas.
[2] É sabido
que a teoria matemática da comunicação, elaborada nos anos quarenta, mede a
quantidade de informação através da improbabilidade das mensagens de um ponto
de vista estatístico, sem levar em conta seu sentido. As ciências humanas,
entretanto, necessitam de uma teoria da comunicação que, ao contrário, tome a
significação como centro de suas preocupações. (Lévy, 1993, p.72)
[3]
http://ted.hyperland.com/buyin.txt
[4] “A Web
não é um hipertexto, são diretórios decorados”
[5] Tradução
da autora: “Links devem ir em ambos os caminhos”.
[6]
http://www.iath.virginia.edu/elab/hfl0034.html
[7]
http://www.ps.uni-sb.de/~duchier/pub/vbush/vbush.shtml
[8]
http://www.iath.virginia.edu/elab/hfl0051.html
[10]
Tradução da autora: “Golpeado pela "crescente montanha de pesquisa"
que confrontava trabalhadores em todas as áreas, Bush sabia que o número de
publicações já tinha "largamente se extendido além de nossa presente
habilidade de fazer uso real dos registros.”
[13]
http://ted.hyperland.com/
[14]
http://xanadu.com/
[16]
Tradução da autora: “links que podem ser seguidos em ambas as direções”.
[17]
Tradução da autora: “Links que não quebram”.
19 http://www.icmc.usp.br/ensino/material/html/html.html:
“
HTML
significa HyperText Markup Language
- Linguagem de Marcação de Hipertexto. Não é possível programar em linguagem HTML
,
pois ela é simplesmente uma linguagem de marcação: ela serve para indicarmos
formatações para textos, inserir imagens e ligações de hipertexto. Os browsers
são os responsáveis por identificar as marcações em HTML
e apresentar os documentos conforme o que foi especificado por essas
marcações.”
20 http://www.icmc.usp.br/ensino/material/html/url.html:
“O sistema de endereçamento da Web é baseado em uma sintaxe chamada
URI
(Universal Resource Identifier
- Identificador
Universal de Recursos). Os endereços que utilizamos atualmente são os URL
s,
que seguem essa sintaxe.”
21 http://www.icmc.usp.br/ensino/material/html/http.html:
“
HTTP
significa HyperText Transfer Protocol
- Protocolo de Transferência de Hipertexto. O HTTP
é
o protocolo usado para a transmissão de dados no sistema World-Wide Web. Cada
vez que você aciona um link, seu browser realiza uma comunicação com um
servidor da Web através deste protocolo”.
22
http://www.zonazero.com.br/perguntas2.htm#servidor%A0%A0: “Servidor é um
computador conectado à Internet vinte e quatro horas por dia, onde ficam
armazenados todos os dados que poderão ser visualizados por meio da Web. Para
que um site esteja no ar, é necessário que ele tenha um servidor onde as
informações estejam permanentemente disponíveis para o acesso em qualquer ponto
da rede”.
23 Navegadores
que possibilitam a visualização de páginas web. Ex: Internet Explorer,
Mozilla.
[25]
http://www.co-link.org
[26]
http://www.liquidinformation.org
[27]
http://www.thocp.net/biographies/engelbart_douglas.html
[28] PRIMO,
Alex Fernando Teixeira; RECUERO, Raquel da Cunha. Hipertexto Cooperativo: Uma Análise da Escrita Coletiva a partir dos
Blogs e da Wikipédia. In: VII Seminário Internacional da Comunicação 2003,
Porto Alegre, Anais... Porto Alegre, 2003. Disponível em: http://pesquisando.atraves-da.net/hipertexto_cooperativo.pdf.
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