O papel
da comunicação nos processos de mudanças está a exigir um profissional com um
olho na invenção e outro na gestão.
por
Eraldo Carneiro (*)
"A Comunicação não tem simplesmente um papel na gestão da mudança. Ela tem 'o' papel." Compartilho da convicção de Bill Quirke, consultor inglês e autor de Communicating Change, quanto ao caráter essencial da Comunicação no processo de mudança das organizações. A extensão e a velocidade das transformações no ambiente empresarial têm-se traduzido numa preciosa oportunidade para o fortalecimento do papel da Comunicação no mundo dos negócios. A globalização, a luta pela competitividade, a tecnologia da informação e tantos outros fenômenos deste final de milênio estão contribuindo para agravar a necessidade de Comunicação das empresas, tanto interna quanto externamente - acentuando, assim, sua importância estratégica, algo há décadas sonhado por comunicadores de todas as áreas.
Se, por
um lado, esse ritmo acelerado de mudança oferece à Comunicação Empresarial
uma chance inigualável de afirmação, impõe, por outro, sérios desafios à
atividade e àqueles que a desenvolvem. Para desempenhar com sucesso o papel
estratégico a que se refere Quirke, torna-se imperativo reinventar a
Comunicação e redesenhar o perfil do profissional da área. A Comunicação
tradicional, centralizada e meramente instrumental, já não atende, com
eficácia, às exigências da competitividade global, à forte pressão de
consumidores e investidores, à crescente demanda de informação dos
empregados, enfim, à constante necessidade de transformação da empresa.
Da
mesma forma, o comunicador convencional, rigorosamente técnico, especialista
e executor contumaz, também não desperta entusiasmo na gerência e pouco valor
agrega ao negócio de seus clientes e parceiros. Para assumir integralmente
seu papel na gestão da mudança, o profissional de comunicação deve buscar
desenvolver novas habilidades, novas competências, que concorram para
atrelar, definitivamente, a Comunicação aos objetivos estratégicos da
organização.
Nova
arquitetura
O
entendimento do novo perfil do comunicador pressupõe, necessariamente, uma
ruptura dos paradigmas da Comunicação tradicional. Na visão clássica, a
Comunicação é competência de um órgão específico, formado por especialistas -
relações públicas, jornalistas, publicitários - a quem cabe executar os
processos mediáticos da empresa com seus públicos de interesse. Sob este
prisma, a Comunicação desenvolve-se exclusivamente no nível
tático-operacional, limitando-se a promover eventos, editar publicações e
emitir releases, e ocupando espaço reduzido (ou quase nulo) na
dimensão estratégica da organização. Esta concepção gerou sérios desvios
funcionais: muitos órgãos de comunicação estão hoje distantes de seus
clientes internos, atuam de forma desintegrada das outras funções da empresa
e têm seu foco voltado mais para o processo de comunicação em si do que para
os resultados do negócio.
Os
modernos paradigmas da gestão empresarial vêm forçando, entretanto, o
reposicionamento da Comunicação. Para ajudar a empresa a competir num
ambiente em constante mutação, a Comunicação tem que, em primeiro lugar,
atuar em nível estratégico, alinhando-se totalmente aos objetivos do negócio.
Uma comunicação sem esse compromisso estratégico dificilmente conseguirá
legitimar-se no novo cenário competitivo, correndo o sério risco de desprender-se
de vez da organização. Do mais simples evento interno à grande campanha
institucional, todo projeto de comunicação deve assumir a filosofia do
negócio, contribuindo, invariavelmente, para a maximização da performance
empresarial. Fica cada dia mais difícil para os assessores de comunicação
defenderem a manutenção de certos programas de comunicação que custam muito e
pouco valor agregam à estratégia corporativa.
Na nova
arquitetura das empresas, a Comunicação deixa de ser responsabilidade de um
único órgão, tornando-se função de toda a organização e incorporando-se,
definitivamente, ao papel gerencial. A exemplo do que vem ocorrendo com
Recursos Humanos, Qualidade e Segurança, o gerente torna-se também gerente da
comunicação com sua equipe e com os públicos com que se relaciona. Nesta nova
visão, o órgão de comunicação se transforma em consultor, orientado para as
necessidades do cliente interno e agregando valor efetivo aos diversos
negócios da empresa. Com este novo paradigma, ganha força também o conceito
de gestão compartilhada, em que o órgão de comunicação passa a estabelecer
parcerias internas com áreas como RH, Informática e Marketing para o
desenvolvimento, por exemplo, de projetos de endomarketing, de Intranet e de
promoção de vendas.
Pensamento estratégico
Com
base neste reposicionamento da Comunicação, é possível traçar um novo perfil
para o profissional da área, mais ajustado aos desafios empresariais desta
dramática virada de milênio. Este novo perfil pode ser sintetizado em três
competências essenciais: de estrategista, de gestor e de líder. Para
compreender a competência de estrategista, recorro à definição do veterano
comunicador e professor americano Les Potter: "Comunicação estratégica é
aquela fundamentada na relação causal entre as atividades de comunicação e os
resultados empresariais". Sob este ângulo, o comunicador estrategista
possui a clara visão de que o objetivo da comunicação é, essencialmente, o
objetivo do negócio. Se uma empresa busca ser líder de mercado na América Latina,
a comunicação deve perseguir a posição de top of mind para a
marca corporativa, que possa sustentar o crescimento de vendas de seus
produtos e a lealdade dos consumidores da região. Em outro caso, se o
objetivo é construir uma reputação de empresa preservacionista, o comunicador
deve analisar e selecionar a melhor estratégia de comunicação para formar
esta imagem diante dos stakeholders.
Como
estrategista, o comunicador deve desenvolver a capacidade de análise do
ambiente em que se insere a empresa e aprofundar seus conhecimentos sobre os
aspectos estruturais e conjunturais de seu negócio. Não basta estar up
to date com as técnicas de comunicação: é preciso estar atento e bem
informado sobre as diversas atividades da empresa, da produção ao marketing,
de recursos humanos a finanças. O estrategista tem também a visão de futuro,
enxergando muito além da conjuntura. Esta antevisão é fundamental para que o
comunicador possa preparar o caminho para as mudanças e contribuir para a
renovação da cultura organizacional.
Em
contraposição ao comunicador tradicional, o estrategista ocupa-se menos com o
produto de comunicação, e muito mais com a estratégia que o envolve. A
propósito, vale observar o peso exagerado atribuído pelos comunicadores às
peças de comunicação, como se elas constituíssem estratégias em si mesmas - o
que é uma inverdade. O desafio do comunicador estrategista não é simplesmente
editar um newsletter ou organizar um evento, mas, antes de
tudo, perseguir os objetivos de negócio da empresa, garantindo um claro
alinhamento estratégico dos produtos de comunicação.
Pesquisa
realizada em 1997 pela IABC - International Association of Business
Communicators revelou que 70% dos altos executivos americanos esperam que
seus comunicadores atuem como estrategistas e apenas 14% gostariam que eles
continuassem como meros redatores e editores. Isso evidencia que a gerência
anseia não por um técnico altamente especializado em comunicação, mas por um
estrategista que coloque a comunicação a serviço do cumprimento da visão e dos
propósitos da organização. E mais: que as empresas têm a necessidade de usar
a comunicação como ferramenta estratégica de gestão.
Gestor renovado
A
habilidade de gestão tem peso considerável no perfil do novo comunicador,
ainda mais se levarmos em conta que trata-se de uma habilidade praticamente
desprezada pelos cursos de Comunicação Social tradicionais. A permanente
renovação dos modelos de gestão e a busca da qualidade total vêm exigindo um
desempenho cada vez mais apurado dos gestores nas empresas. E o comunicador
não foge à regra: precisa manejar bem as ferramentas da GQT, padronizar e
sistematizar os processos de sua área, fazer benchmarking e,
principalmente, manter foco permanente nos seus clientes internos. Se antes o
comunicador arvorava-se em intérprete das necessidades de comunicação dos
diversos órgãos da empresa, hoje sua credibilidade depende, substancialmente,
da capacidade de oferecer estratégias e produtos de comunicação que atendam
aos requisitos de seus clientes internos.
Além do
foco no cliente, o gestor da comunicação precisa dedicar atenção especial ao
planejamento e à avaliação dos resultados de seu trabalho. Até hoje não
conseguimos romper totalmente com o paradigma segundo o qual a comunicação é
uma atividade imprevisível e incontrolável, o que inviabilizaria qualquer
planejamento no médio e longo prazos. Esta visão deformada decorre,
fundamentalmente, do fato de que a comunicação se distanciou historicamente
do negócio principal das empresas, como bem assinalou José Augusto Marques,
da ABB, em recente artigo nesta revista (Comunicação
Empresarial nº 26, 1º trimestre/98) . Com isto, perdeu o vínculo essencial com o
planejamento empresarial, ficando à mercê das intempéries do ambiente, sem
objetivos definidos e dominada pelo improviso e pela pura reatividade.
O
"artista da comunicação", que se guia tão-somente pela intuição e
devaneia projetos mirabolantes, sem qualquer compromisso com resultados, tem
seus dias contados no atual ambiente de hipercompetitividade. O hábil gestor,
ao contrário, analisa com cuidado as ameaças e oportunidades do ambiente,
pondera suas próprias forças e fraquezas, identifica as necessidades dos seus
clientes e planeja suas ações com pragmatismo, levando em conta sua
disponibilidade de recursos humanos e financeiros. O plano de comunicação não
resulta, assim, da pura imaginação do comunicador, mas de seu profundo
conhecimento da empresa e de sua realidade de negócio, conjugado à
criatividade e ao domínio das modernas técnicas da comunicação. Mais do que
idéias, o plano de comunicação deve conter soluções.
Resultados medidos
Não
basta, no entanto, planejar bem: a gestão deve buscar continuamente a
melhoria dos serviços e produtos de comunicação. Para tanto, o comunicador
deve dedicar-se a controlar e a avaliar permanentemente os resultados de sua
atividade. Talvez esteja aí um dos maiores desafios da comunicação: medir
seus efeitos. E, novamente, um antigo paradigma vem atrapalhar: "esta
área é muito subjetiva, impalpável, imponderável". Contudo, o gestor
contemporâneo, preocupado em gerar valor ao negócio, não pode prescindir do
uso de instrumentos de medição, sob risco de perder credibilidade junto aos
clientes e à alta administração. Como defender o aumento considerável no
orçamento de determinado programa se não avaliamos seus resultados? Com base
em que propomos ampliar ou reduzir tal ou qual projeto?
Muitos
executivos até reconhecem o valor da comunicação, mas não se demonstram
dispostos a investir mais na área pelo simples fato de não possuírem
resultados objetivos. Sabemos que certos resultados, como os de imagem ou
reputação, não se verificam de imediato, mas a longo prazo. Isto, porém, não é
justificativa para rejeitar a avaliação. O comunicador precisa estabelecer
indicadores de desempenho para cada atividade de comunicação, conforme sua
natureza e grau de desenvolvimento. Os parâmetros para medição dos resultados
de uma campanha de publicidade diferem muito daqueles relativos a um programa
de relações públicas com a comunidade. Por esta razão, contamos com
diferentes técnicas de pesquisa e auditorias de comunicação, que se aprimoram
a cada dia de modo a atender à necessidade da empresa de medir resultados.
Evitar duplicidades
Na
gestão da comunicação, a tecnologia é, mais do que nunca, um fator crítico de
sucesso. E o comunicador que não estiver up to date com os
avanços da tecnologia certamente perderá valor para a empresa. Não se
consegue hoje pensar o novo profissional da área senão plugado no ciberespaço
- um executivo virtual, que sabe otimizar tempo e recursos por meio do uso
intensivo da tecnologia digital. Na busca da melhoria contínua (e não como
modismo), ele utiliza as mídias interativas como o e-mail, a vídeoconferência
e a Internet para imprimir maior velocidade à comunicação interna e dinamizar
o relacionamento da empresa com seus públicos-alvo. Do clipping eletrônico
ao newsletter on line, as inovações no campo da tecnologia
de informação representam hoje uma importante vantagem competitiva para a
comunicação empresarial no mercado globalizado.
Ainda
quanto à competência de gestão, um importante conceito deve fundamentar a
atuação do comunicador: o da comunicação integrada. Para enfrentar os
desafios impostos pelo cenário competitivo atual, torna-se essencial
abandonar a tradicional visão fragmentada da comunicação e adotar um novo
paradigma em que se prioriza a sinergia entre as diversas ferramentas. O
isolamento disciplinar nasce na universidade, com a divisão das habilitações
(Jornalismo, RP, Publicidade) e vem-se reproduzindo, há décadas, na estrutura
e organização das assessorias de comunicação. É comum ver um assessor dizer
que tal projeto é de publicidade, outro é de relações públicas, desprezando
totalmente a possibilidade de integrar as duas ferramentas em prol da
eficácia da comunicação. A comunicação fragmentada, além de pobre e pouco
eficaz, vai de encontro a um dos valores fundamentais da moderna gestão
empresarial, que é a busca de sinergia. Não se admite mais que, dentro de uma
equipe de comunicação de empresa, profissionais atuem de forma dissociada,
gerando duplicidades e, consequentemente, desperdício de recursos. O novo
comunicador, portanto, deve saber otimizar o uso das ferramentas de
comunicação, promovendo sinergia entre elas de maneira a obter resultados
ainda melhores.
Liderança empreendedora
Por
fim, a liderança é outra habilidade indispensável ao novo comunicador de
empresa. Desde que comecei, doze anos atrás, a atuar na área, ouço falar, com
insistência, que o comunicador deve ser um agente de mudança na organização.
Mas o que realmente temos feito para sermos reconhecidos desta forma? Ser
líder é ser agente, e não paciente da mudança. O comunicador, durante muito
tempo, agiu como um distribuidor de notícias, aquele que simplesmente divulga
as decisões de outrem, indo a reboque das mudanças. Hoje, ao contrário, ele é
desafiado a não mais reproduzir a realidade, mas a transformá-la por meio de
uma comunicação ágil, verdadeira e consistente.
Antecipar
o futuro e descobrir como chegar lá antes de seus competidores. É o que
recomenda aos novos líderes o professor Prahalad, autor de Competindo
pelo futuro. Para tanto, o comunicador tem que ser empreendedor, o que
significa ser criativo, ágil e flexível.
Qualidade
integrada
Criativo
para encontrar soluções inovadoras, que extrapolem os modelos de comunicação
vigentes e que ajudem a empresa a alcançar seus objetivos.
Ágil na
forma de coordenar a comunicação da empresa, sendo capaz de responder
rapidamente às necessidades de seus clientes.
E
flexível para adaptar-se aos novos paradigmas de gestão, estabelecendo
parcerias internas para o desenvolvimento de projetos de comunicação.
O
comunicador líder é também um educador. Se entendermos que comunicação é
responsabilidade de todos na organização, o papel de educador ganha maior
relevância ainda. Do diretor ao mais simples empregado, todos precisam ser
orientados e treinados em comunicação. O comunicador necessita, assim,
dedicar-se mais a sensibilizar os órgãos e empregados sobre a importância da
comunicação e a instruí-los a se comunicarem de forma clara e eficiente. Daí
a importância de se proferirem palestras e ministrarem cursos internos sobre
comunicação para gerentes, supervisores e empregados em geral. Ao disseminar
conhecimentos, o comunicador torna-se um verdadeiro líder, um grande
facilitador e motivador da comunicação na empresa.
Devo
reconhecer que atuar como líder, gestor e estrategista é um grande desafio
para qualquer comunicador de empresa. Os obstáculos começam ainda nas
faculdades de Comunicação, que privilegiam o ensino técnico em detrimento da
formação multidisciplinar. Já nas empresas, os comunicadores demonstram
desinteresse acentuado pela gestão, fato que aumenta a vulnerabilidade da
atividade à intervenção de outras áreas.
A
imagem de atividade cosmética e de "bombeiro" também dificulta o
desenvolvimento do novo perfil do comunicador, assim como o extremo
personalismo de muitos profissionais da área. As assessorias de comunicação
não devem servir, de modo algum, de vitrinas para comunicadores vaidosos e
exibicionistas, que não sabem trabalhar em times e demonstram total
descompromisso com os objetivos da organização.
Terceiro
Milênio
O papel
do comunicador de empresa será tão mais reconhecido quanto maior for nossa
capacidade de colocar a comunicação a serviço dos objetivos de negócio das
empresas. Neste sentido, precisamos nos desenvolver permanentemente, buscando
uma atuação mais estratégica, uma gestão de qualidade integrada e orientada
para resultados, e a posição de líderes, empreendedores e educadores,
contribuindo para que a comunicação seja incorporada como função da
organização.
Ao desenvolver
estas novas competências estaremos preparados para desempenhar o papel que
nos compete neste dramático processo de transformação por que passam as
empresas, às portas do Terceiro Milênio.
(*)
Eraldo Carneiro é chefe do Setor de Planejamento e Pesquisa do Serviço de
Comunicação Institucional da Petrobras.
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quinta-feira, 20 de novembro de 2014
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